Sexta turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça entende pela ausência de fundamentação idônea, declarando sem efeito as decisões de interceptação e quebras de sigilo por violação ao art. 93, inc IX, da Constituição Federal de 1988.

Por João Heverton Carlos Araújo
Anamaria Prates Advocacia Criminal

No último dia 25 de maio de 2021, a Sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, através do RHC 117.462, de Relatoria do Exmo. Ministro Rogerio Schietti Cruz, reconheceu, por unanimidade, a ausência de fundamentação idônea das decisões lavradas pelo Juiz de primeiro grau, acompanhado pelo Tribunal Estadual de São Paulo, para as quebras de sigilos telefônicos fiscais e Bancários deferidas em desfavor dos pacientes investigados pelo crime de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Inicialmente, a pedido da Autoridade Policial competente, o Juiz de primeiro grau, com a concordância do Ministério Público, deferiu as medidas que, posteriormente, foram ratificadas pelo Tribunal de São Paulo, ao passo que no entendimento do Tribunal estavam presentes os pressupostos legais para o deferimento.

A impetração do Habeas Corpus n. 117.462, que possuía como ato coator ambas as decisões, detinha como objeto o desentranhamento de todas as provas obtidas pelos meios ilícitos e delas derivadas, uma vez que, carecia de fundamentação idônea e especificações, que deveriam constar na decisão que determinou as medidas de interceptação e afastamentos, bem como aquela que decidiu pela prorrogação.

Especificamente, a defesa levantou que haveria a “absoluta inexistência de fundamentação (concreta, específica e individualizada) dos juízes de direito para interceptação das comunicações telefônicas e respectivas prorrogações com relação aos recorrentes (…) e para quebra de sigilo de dados fiscais, bancários e financeiros com relação aos recorrentes (…) que os “pacientes […] nunca foram nominados como alvos específicos das medidas nos despachos (genéricos e padronizados) que as determinaram, não havendo que se falar em fundamento por relação à outras peças processuais, ou mesmo à decisão inaugural dos autos”.

O Exmo. Relator Rogerio Schietti, atestou que as decisões impugnadas pelo remédio heroico não detinham fundamentação suficiente, em violação ao art. 93, IX, primeira parte da Constituição Federal.

Consignou que “nas decisões atacadas, o Juiz …, da … Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto-SP, não explicitou as razões de seu convencimento quanto à necessidade das medidas cautelares em comento. Aliás, os documentos – abaixo transcritos – cingem-se a citar a existência de relatório policial e parecer favorável do Ministério Público, sem qualquer indicação do contexto fático, nem mesmo os nomes dos investigados.

(…)

as decisões acima transcritas poderem ser utilizadas para justificar a adoção de qualquer medida cautelar, o que não se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro.

Diante disso, tornou-se sem efeito as decisões anteriormente deferidas com o consequente desentranhamento das provas e delas derivadas, por serem plenamente ilícitas, em violação ao art. 93, inc IX, primeira parte da Constituição Federal.

Assim restou ementado.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. QUEBRAS DOS SIGILOS TELEFÔNICO, FISCAL E BANCÁRIO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. Consoante imposição do art. 93, IX, primeira parte, da Constituição da República de 1988, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”, exigência que funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador. Presta-se a motivação das decisões jurisdicionais a servir de controle, da sociedade e das partes, sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto.2. Nas decisões atacadas, o Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto-SP não explicitou as razões de seu convencimento quanto à necessidade das medidas cautelares em comento. Aliás, os documentos cingem-se a citar a existência de relatório policial e parecer favorável do Ministério Público, sem qualquer indicação do contexto fático, nem mesmo os nomes dos investigados, incorrendo, assim, no vício previsto no art. 489, § 1º, II e III, do CPC, aplicável, analogicamente, por força do art. 3º do CPP.3. Em que pese tais decisões terem sido chanceladas pela Corte local, sob o argumento de que se trata “de motivação per relationem”, segundo o  entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para que não haja ilegalidade na adoção da técnica da fundamentação per relationem, a  autoridade judiciária, quando usa trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, deve acrescentar motivação que justifique a  sua conclusão, com menção a  argumentos próprios, o que não é o caso desses autos.4. Considerando que as decisões que prorrogaram as quebras de sigilo não tem o condão de convalidar os defeitos de origem ora demonstrados nas decisões proferidas dos Autos n. 0011048-68.2015.8.26.0506 – mesmo porque repetem o mesmo padrão de ausência de falta de fundamentação idônea –, forçoso concluir pela falta de utilidade em se analisar as dezenas de decisões que prorrogaram tais quebras.5. Recurso parcialmente provido, para tornar sem efeito as decisões proferidas às fls. 47, 64, 145 e 227 dos Autos n. 0011048-68.2015.8.26.0506, em trâmite na 3ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto–SP, que autorizaram a quebra dos sigilos telefônicos, fiscais e bancários dos recorrentes, devendo o Juiz de Direito desentranhar as provas que tenham sido contaminadas pela nulidade reconhecida neste writ.

(STJ – RHC: 117.462 SP 2019/0260741-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 18/05/2021, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/05/2021).

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